Acordos do CNJ vão promover ingresso de pessoas negras e indígenas na magistratura
Um acordo entre a Fundação Getulio Vargas e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir que mais pessoas negras e indígenas concorram à carreira da magistratura no Brasil. O acordo foi assinado nesta terça-feira (20/2), durante a cerimônia de abertura do Ano Judiciário do CNJ. A FGV vai credenciar e gerenciar os recursos para o programa de bolsas de estudo para candidatos negros e indígenas e pessoas com deficiência (PcD) à magistratura. Também foi assinada parceria com a Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e com a Escola Superior da Magistratura do RS, que fornecerá bolsas de estudos aos candidatos negros.
A parceria institucional é parte de uma ação estratégica prioritária liderada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, que busca eliminar as barreiras ao exercício, em igualdade de condições, dos direitos de cidadania por todas as pessoas. “Maior inclusão e maior persidade na magistratura fortalecem a carreira e aumentam a representação da sociedade, o que é benéfico para todos”, disse Barroso, durante a cerimônia de assinatura do acordo.
“Renovam-se as esperanças. Esse acordo possui caráter histórico para combater as desigualdades no Judiciário e, com certeza, impactará na aceleração da mudança em relação as desigualdades provocadas por exclusão, não acesso ou discriminação. Estamos honrados em poder fazer parte desse programa”, afirmou a coordenadora do Comitê de Diversidade e pesquisadora do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV, Alessandra Benedito.
O acordo, que terá inicialmente duração cinco anos, define os critérios de funcionamento, seleção e concessão de incentivos para tornar o Poder Judiciário mais plural, combater estereótipos e aumentar os espaços sociais às parcelas historicamente marginalizadas. O plano de trabalho prevê apoio psicológico e concessão de dois benefícios: Bolsa de Estudo em cursos preparatórios; e Bolsa Manutenção, por dois anos.
A criação de benefícios e incentivos para pessoas negras e indígenas ingressarem na magistratura é o ponto central do acordo de cooperação técnica. O objetivo é efetivar o Programa CNJ de Ação Afirmativa para Ingresso na Magistratura, com iniciativas que vão desde o curso preparatório para o Exame Nacional da Magistratura até a conclusão do curso de formação de juízes e juízas.
O presidente da Associação dos Juízes do RS, Cristiano Flores, ressaltou a importância da ação afirmativa. “É uma ação de grande relevância também para que o Poder Judiciário se veja representado com os magistrados que ingressarem nessa carreira”, disse.
Pertencimento
O público-alvo do programa são pessoas autodeclaradas negras e indígenas que sejam bacharéis em Direito. A autodeclaração será verificada pela comissão de heteroidentificação da FGV. Além disso, no caso de indígenas, será preciso apresentar a declaração de pertencimento ao respectivo povo ou comunidade. Para a seleção, serão observados os critérios de vulnerabilidade socioeconômica, persidade de gênero – buscando a paridade – e persidade regional.
A Bolsa de Estudo assegura vaga em curso preparatório para o concurso de ingresso na magistratura para as pessoas negras e indígenas selecionadas pelo programa. A bolsa oferece gratuidade na mensalidade durante o prazo de duração do curso. Essa preparação contempla também o Exame Nacional da Magistratura.
Os recursos, que serão captados junto à iniciativa privada e geridos pela FGV, serão destinados à compra de material de estudo e à contratação de professores especializados. Os signatários também devem buscar parcerias com instituições educacionais e organizações não governamentais, por exemplo, para ampliar o alcance e a eficácia do Programa.
Já a Bolsa Manutenção vai auxiliar no custeio de despesas relacionadas às inscrições em provas, material bibliográfico, alimentação, transporte e moradia e outras necessidades após a aprovação no Exame Nacional da Magistratura. A FGV deverá incentivar e ajudar a organizar programas de suporte a serem oferecidos por associações de magistrados para pessoas negras e indígenas que sejam selecionadas para receber o benefício.
A expectativa é que, até o início de março, sejam celebrados os convênios com as escolas judiciais dos tribunais para disponibilizar um curso intensivo preparatório para o primeiro Exame Nacional da Magistratura de 2024, marcado para o dia 14 de abril. Após 45 dias da pulgação dos resultados do Exame Nacional, será feita a seleção para os beneficiários da Bolsa Manutenção.
Justiça plural
Embora representem 56% da população brasileira, como aponta o Censo do IBGE (2022), pessoas pretas ou pardas têm na magistratura uma presença numericamente pouco expressiva. No caso da população indígena, que corresponde a 0,82% do total de brasileiros, a situação é ainda pior.
Dados do Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário, publicado pelo CNJ em setembro do ano passado, mostram a presença de 14,5% de magistrados e magistradas que se declaram negros ou pardos, sendo 1,7% de pretos e 12,8% de pardos. Somente 0,2% dos juízes e juízas se declaram indígenas. Ainda não existem informações sobre quilombolas na magistratura.
As ações afirmativas de preparação de pessoas negras e indígenas para a magistratura por meio da capacitação trazem uma perspectiva mais abrangente da representatividade e da persidade social do país. O CNJ vem trabalhando para que essa visão e as experiências relacionadas a ela sejam incorporadas no processo de decisão de juízes e juízas, como forma de contribuir para a construção de um Sistema de Justiça mais justo e equitativo.
Instrumentos normativos
O programa que passa a ser executado efetiva as políticas do CNJ criadas para garantir a equidade étnico-racial no Poder Judiciário. Entre os principais instrumentos normativos estão as Resoluções n. 203/2015 e n. 512/2023, que estabelecem, respectivamente, os percentuais mínimos de 20% de pessoas negras e de 3% para pessoas indígenas na carreira da magistratura.
A iniciativa abraça ainda algumas recomendações ligadas ao tema em âmbito nacional e internacional. Entre outros normativos, estão a própria Constituição Federal de 1988, a Convenção sobre Eliminação de todas as formas Discriminação Racial, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Decreto nº 10.932/2022) e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010).
Texto: Ana Moura e Regina Bandeira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias